agosto 21, 2009
plis olhou para o retângulo de papel brilhante com imagens impressas que segurava em sua mão esquerda e pensou que coisa mais tosca e virou o papel para saber se aquilo era de fato tudo e sentiu uma onda de frustração. Era a primeira vez que plis via uma fotografia do século passado, revelada em duas dimensões; desde que se lembrava, o processo de capturar imagens estáticas evoluíra bastante, mas nunca vira nada tão precário. (O próprio conceito de estático mudara, embora plis não atentasse para isso.) A foto tirada por sua mãe quando ainda criança em Mil-Novecentos-Noventa-&-Alguma-Coisa era quase pré-histórica para plis, acostumado com imagens hologramáticas que registravam um instante: algo que para a sua geração durava alguns segundos de movimento - como aquelas fotos mágicas que existiam no mundo de Harry Potter, mas em três dimensões.
agosto 18, 2009
Otávio resmungou vocês e suas frivolidades teóricas quando eu disse que ficar envolvia uma série de decisões que não poderiam ser tomadas sem análise apropriada e reclamou que Brigite tampouco tinha tempo para ele embora ele fosse casar com ela em menos de 30 horas, casar mesmo, na Igreja, e não havia nada que eu pudesse fazer a não ser ir embora. Otávio, desde que começara a frequentar os círculos sociais de minha família, deixara bem claro que não gostava de Frederico, e hoje, pensando, talvez tenha sido exatamente por essa clareza em não gostar de Fred que eu tenha me aproximado de Otávio. Mas daí a ficar para perpetuar uma enganação.
agosto 13, 2009
É curioso que não tenhamos encontrado nada de diferente nessa viagem. Ontem o projeto completou dois anos e ainda não avistamos um único ser vivo. Uma vez, bastante à leste daqui, quando ainda estávamos no mar, julguei ver uma sombra negra, grande como uma cachalote, perto da região que batizamos de Pequeno Canal e que se tratava de um fino estreito, delineado por falésias intransponíveis, que ligava dois Oceanos inominados, mas não passou disso - uma impressão. De resto, a expedição tem sido assustadoramente tranquila. Estamos em uma praia agora, bem distante do Canal (creio). Desembarcamos há três dias, mas ninguém se aventurou a entrar mais do que alguns metros na floresta de árvores altas que limita o fim da faixa de areia. As árvores parecem árvores, de qualquer maneira. É incrível como todos os lugares estão cheios de árvores. Mais cedo, enquanto cozinhávamos um pouco do resto de comida que ainda nos resta, lembrei de um poema de Blaise Cendrars. Chama-se Borboleta, transcrevo-o da forma como me recordo dele (nunca o li em francês): "É curioso / Já há dois dias que estamos à vista de terra e nenhum pássaro veio a nosso encontro nem se meteu em nosso sulco / Em compensação / Hoje / De madrugada / Ao penetrarmos na baía do Rio / Uma borboleta grande como a mão veio viravoltear em torno / do navio / Era negra e amarela com grandes estrias de um azul apagado". Viravolteio pelo acampamento mais um pouco antes de dormir. Amanhã, à Floresta Das Árvores Altas.
agosto 12, 2009
I've went, and came back. If it took 10 years, or one day, it doesn't matter: the journey, endless, is just a symbol. As symbols are the Cyclops, the seas, and the blind seer. The Symbol is the regress; the trip, just the process; and this scar I have in my leg isn't actually a scar: it is more a map - and a sign.
agosto 11, 2009
li isto em algum lugar, otávio, e é verdade, sei agora que é: tenho ciúme desse cigarro que você fuma tão distraidamente. sei que tenho. você não tem? tenho inveja do tempo que você leva para acender um cigarro, sempre dispendioso; da fumaça que você solta arrogante e engole mais uma vez, em dois tempos. e eu não tenho tempo para explicar mais: a frase, no original, era dividida ritmicamente em dois períodos - um para o ciúme, outra para a distração. também divido você em dois períodos: um para ser, outro para... não, não queria ser tão óbvia. não queria sacar uma referência só para ser referencialmente óbvia depois. e sim, otávio, eu sei onde li o poema que cito (não cito de memória). não queria é que você soubesse. e você sabe, eu sei.
Quando Helena sugeriu que U deveria sair agora U não achou que fosse séria a sugestão; não que fosse séria: achou que era uma brincadeira. Não era. Helena queria transar com U e por isso sorrira - ela sabia que o sorriso desencadeava o desejo - mas nunca quis passar o dia com U. De uma maneira mais sádica, usara o mesmo sorriso com Mariana, que ficara de ligar esta tarde. Queria passar o dia com Mariana. Helena havia esquecido Mariana, mas a lembrança de uma espera que não houve em um reencontro mínimo trouxe uma vontade que Helena não achava que fosse capaz de controlar (embora tenha sido e não tenha transado com Mariana). No retorno, Helena quis se entregar para U, mas com Mariana ela queria mais, e era difícil admitir isso. Helena sabia que Mariana, na melhor das hipóteses, ficava com garotas apenas por diversão. U e Helena é que eram singularidades na história de Mariana, não o contrário, e era de certa forma triste para Helena perceber que Mariana não queria mais namorar com ela; perceber que Mariana não estava mais presa no passado. Era melhor para Helena acreditar que Mariana estava, do que dizer para si mesma que ela queria apenas sexo: por isso não transou com Mariana: para evitar a vontade de um algo mais. Mas com U era diferente. A distância do momento em que Helena amou U é imensa agora, só a lembrança de um desejo infantil. Não tem medo de se apaixonar por U - isso poderia acontecer, mas seria o processo em si, um novo processo, e não um retorno a algo que não mais existe (o romance com Mariana). E U, apesar de não ficar apenas com garotas - como Helena - é mais ligada às garotas com quem ficou (o que quer dizer que ela transou com alguns caras mas nada demais). A espera, agora, mais do que nunca, é de Helena.
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