março 25, 2009

Ela acendeu mais um cigarro antes de continuar a fazer as contas. Era uma das últimas pessoas que ainda fumavam cigarros de verdade, com nicotina e alcatrão. Ele não sabia o nome dela. Não perguntara. Não tenho certeza se depois daquela noite ainda sabia o próprio nome. Ela o chamava de Sy, eu até poderia dizer por que, mas não sei. Sy é o código de domínio na Internet para Síria, mas ele não parecia nem de longe um árabe. Sy - magro, branco, cabelos pretos emoldurando o rosto trágico - parecia Case, um visual cyberpunk nostálgico, embora totalmente inconsciente.

Através da porta aberta ele podia vê-la mexendo nas prateleiras do banheiro, usando apenas uma calcinha, o perfil do rosto escondido pelo cabelo. Eram muito parecidos fisicamente, só agora tinha reparado, embora ela tivesse traços um pouco mais orientais e ele precisasse ir embora. Por isso perguntou onde exatamente estamos enquanto vestia a calça com que saíra ontem, agora toda suja de barro. Não tinha ideia de como voltar para casa, mas ela não respondeu nada. Nada. Apenas entrou no quarto e o empurrou de volta para a cama.

março 20, 2009

Helena ficou perto da janela com o telefone na mão esperando muito tempo por uma mensagem que nunca chegou. O céu estava claro como devia ser sempre o céu em uma tarde fria de inverno em que o vento arrasta folhas solitárias por ruas vazias mas Helena não teve vontade de sair. Helena tinha vontade de falar com Mariana, e foi por isso que ficou tanto tempo perto da janela olhando o vento que arrastava as folhas solitárias pela rua vazia em frente ao seu flat alugado tentando não pensar na mensagem - e só conseguindo pensar na mensagem, o tempo todo. Mesmo quando finalmente saiu de casa para enfim acompanhar as folhas levadas pelo vento, Helena continuou pensando na mensagem que nunca chegou - embora não segurasse mais o celular na mão e ao invés de uma roupa qualquer vestisse um casaco preto, de um justo bonito, seu maior cachecol, tão longo que mesmo com várias voltas no pescoço ainda podia passá-lo pelo cinto, e um chapéu de abas curtas, que devia impedir o vento de bagunçar sua franja loira como bagunçava as folhas caídas das árvores.