ESCREVER É UM ATO INSENSATO. A frase batia forte nos seus olhos enquanto a escrevia no bloco de anotações, comprado anos antes para a confecção do primeiro romance e até hoje em branco; em letras grandes, de forma, todas do mesmo tamanho, um pouco garranchadas, compôs a máxima – primeira linha escrita de algum outro romance fantasma. Por outro lado, na sua cabeça fervilhante, sem espaço para branco algum, o que pulsava era a palavra “diluído”, que ela havia lhe dito dias antes. E “diluído”, que sempre o remetera à imagens desagradáveis, era agora pior.
Sempre se achou um ridículo por sentir uma vontade irreprimível de escrever sem-sentidinices; mas daí a ser um fracassado, foi um longo salto. Um longo salto. Falar, falar, e não dizer nada; bendita poesia. O que cabia à ela se não a inverdade? Nunca duvidou da questão. Mas sempre achou inútil escrever para mostrar aos outros; por isso anotou embaixo: solitário; e depois: maldito. A poesia é, por via das dúvidas, uma canção incerta. Eu te dedico, pois, incertezas.
E como pulamos de “diluído” para “ridículo”? Só se explica por uma certa aproximação sonora, uma rima falsa – bem, bem, bem falsa; é preciso imaginação para enxergar tal rima. Talvez seja até por isso que considerou escrever algo insensato, pois nos levando a tais desvarios como o da aproximação fonética entre “diluído” e “ridículo”, nada deve ter de parentesco com aquilo que chamam de sensatez. Ah, a insensatez.
E atou ao ato o incenso (ou o incesto?) do ato; desmontando palavras – essa coisa de querer ser exatamente aquilo que a gente é. Ateu, rezou duas ave-marias por cuidado de talvez estar errado. Fez o sinal da cruz e entregou a carta nas mãos dela. Acontece que depois da coisa dita, “escrever é um ato insensato, solitário, maldito”, nada mais fazia muito sentido; como era de costume nos textos de outros tempos. Gostava de repetir: “e como me surgissem melodias improváveis, resolvi me fazer poeta”. Mas o que realmente sobrou de troféu, foi a confusão. E nada mais que ela.
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