junho 05, 2006

Polímeros

I

E com o tempo virão os trigais:
distraído, andarei de olhos fechados
pelo ouro dos campos; as mãos vãs,
o vento a me corroer a pele,
os pensamentos - plenos de existência -
conturbados. Levanto a cabeça, cerro os olhos,
alço a perna. Com o tempo virão os matagais.
A poesia - rosa, merda, foda - será esquecida;
a vida, ilícita; as flores serão lívidas.

II

Refugio-me nas palavras, pois não
me restam idéias, ideais ou paranomásias
que não sejam fórmulas repetidas.
Me refugio nas palavras: refúgio, refugo,
refluxo de poesia. Tudo é ácido, plácido,
flácido; flâmulas douradas e esquecidas:
tudo é plástico, polímeros plásticos:
polietilenos terefitalados e flores artificiais.

III

Pesado, deslizo pelo deserto das
pessoas ermas: entulho, escombros: o peso
de um lirismo desenfreado nos ombros;
penso nas circustâncias desencontradas
e nas garrafas de vinho, vazias, espalhadas,
ambas, pelo chão da sala. Sou um disparate;
inalterado, soa no ar um disparo desencontrado:
as circuntâncias são substâncias líquidas,
as estâncias são remansos, pastos,
fugas do concreto deserto dos sem-ímpetos.

IV

Em vão eu atravesso portas trancadas.
Entre os lábios, queima, apagado,
um último cigarro; cinza de tristezas antigas:
entre os restos, brotam grãos de trigo e de soja,
transgênicos. Em vão, atravesso portas arrombadas,
tendo nas mãos, velhas, o vazio de uma pena sem tinta.
Em vão bato em portas imaginárias.

V

Insetos virão aos prados
roer o que sobrar da poesia,
que, não mais orquídea,
se trancará, embaraçada,
em uma percepção autista.
Espera-se que os mistérios
sejam solucionados:
exausto, o sol não luta
contra a quase-noite,
pois sabe-a invencível
na solidão do quase-dia.
Me lanço, ao acaso,
na questão dos vícios:
passo, áporo, sozinho.

VI

Baterias frenéticas ditam o ritmo da decadência:
danço, alto, o canto das quedas desafinadas.
Bêbado, passeio pelos delírios como quem
colhe flores plásticas em um canteiro de concreto;
passeio por labirintos violentos.
Jogo dados viciados: aposto a poesia,
mesmo sabendo que, posto tudo em jogo,
nunca houve como vencer. Jogo dardos envenenados.

VII

Tudo é plástico: a composição do sol em geometria
com os trigais, a mancha roxa e os cacos de vidro no chão da sala,
o cálice vazio na sacada, as pedras onde batem as ondas,
as cores da solidão do quase-dia expulsando a solidão da quase-noite:
tudo é inelástico, estética absurda de um vento estático:
todos os choques são choques plásticos.

VIII

Você pode me tocar. Você pode me distrair.
Você pode foder com as rosas vermelho-escuras.
Enquanto isso, abaixo a cabeça, coloco meu chapéu;
os olhos, desencantados, já não buscam o horizonte,
mas a ponta dos pés da perna também não mais alçada.
Com o tempo virão as amoreiras e as tocas de sapo.
O vento fustiga-me os lábios até sangrarem,
o vento instiga-me à liberdade.
Com o tempo os sasafrás, todos, virarão óleo.
Com o tempo, todos seremos polímeros inexatos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Very pretty design! Keep up the good work. Thanks.
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