julho 29, 2009

Estela Bitencourt passou aquela tarde toda escrevendo em folhas de papel A4 barato com canetas coloridas listas de compras que precisava fazer e de providências que precisava tomar antes do casamento da irmã, Brigite, que aconteceria em uma data bem próxima agora e deveria ficar marcado (no sentido de pretendia ficar marcado) a todo custo na lembrança dos familiares e amigos como o evento social da década, pretensão que não dava margem para erros. E Estela até ajudava, mas não podia concordar com isso. Não com uma festa que era praticamente uma antítese do seu próprio não-casamento, mas ninguém se lembrava daquela festa, nem mesmo Estela, que há duas noites fora abandonada por aquele infame Frederico Soares, esta montanha de princípios errôneos, antiga paixão de infância com quem Estela havia morado por seis anos, por falta de recordações ou referências melhores. Note que quando eu falo que Estela não lembrava, o que quero dizer é que ela se esforçava para não lembrar.

Estela não lembra por que Fred saiu de casa, nem por qual porta foi, e era realmente importante, ela achava que era importante, que ele tivesse saído pela porta da frente, não pela porta lateral, tão dada a retornos e incertezas. Depois que Fred deixou a casa, Estela levou muito tempo para entender que ela é que havia ido embora, não ele. À noite, depois de beber uma garrafa e meia de vinho, digitou três longos emails que nunca chegou a mandar: o primeiro, para seu chefe (um produtor de moda tão sádico quanto gay que sentia inveja de sua órbita como Marjorie havia sentido ao criar força gravitacional em Bernice), se tratava de uma carta de demissão cheia de mentiras que Estela passou horas inventando para justificar o fim. O segundo, em que pedia desculpas por não poder ficar para a festa, era para Brigite. Estela se comprometia, entretanto, em deixar quantas listas feitas fossem necessárias para manter a cadência dos afazeres para que a irmã mais nova perdoasse a sua ausência. O terceiro era para ela mesma, no futuro.

julho 23, 2009

Tudo poderia ser reinventado: os livros espalhados que não li, mas comprei; os livros que eu esqueci que li; os que citei sem ler. O despertador-celular que toca sem parar na bagunça do quarto e me diz que de alguma forma já é hora ir. Poderia reinventar as formas de te dizer oi e aquele jeito simbólico de dizer boa-noite. Reinventar os relacionamentos, as condições do desejo - repensar as condições do tamanho do desejo. E com o que nos importaríamos? Reinventar o início, as opções de fim, o processo e o fluxo. Reinventaria nossos nomes se pudesse; e esse parágrafo. E, olha, eu posso.