fevereiro 29, 2008

U e Camila transaram pela primeira vez no banheiro do apartamento de U. Na sala, as outras pessoas ouviam Justin Timberlake e bebiam latas de Kaiser compradras a 95 centavos cada no supermercado a duas quadras e meia dali. U prefiriria ter levado Camila até seu quarto, mas entrar no banheiro e se trancar com ela sem avisar foi delicioso. No quarto de visitas, mais cedo, Mariana transara com um ex-namorado que estava de passagem pela cidade mas não o convidou para ficar para a festinha quando terminaram. Agora estava conversando com Vinícius e bebendo sua décima primeira lata. Vinícius estava na décima quarta.


fevereiro 27, 2008

Mariana abriu a janela do seu quarto e ficou olhando aqueles prédios altos recortados contra um céu cinza enquanto fumava um cigarro escondida dos pais. Nunca fumava em casa, mas estava muito excitada com a idéia de Helena estar na cidade. Mariana e Helena não se viam desde quando, acabado o colégio, há cinco anos, Helena se mudou para a Europa. Há algumas semanas soube que a amiga tinha voltado, mais nada. Só hoje viu a mensagem de que ela ligara ontem e retornou a ligação mas foi inútil: o celular estava desligado. Começara a chover lá fora e Mariana não quis se preocupar muito com isso, afinal era sexta-feira. Depois de ficar um tempo deitada encarando o teto, pegou o telefone e ligou para Renan convidando ele e Vinícius para tomar uma cerveja no centro.

fevereiro 23, 2008

U acendeu um cigarro e foi embora bem cedo, enquanto o DJ tocava Kate Nash e Helena, recém-chegada à rodoviária, telefonava inutilmente para Mariana.

fevereiro 19, 2008

Mariana conheceu Vinícius e Renan na porta de uma balada qualquer. Eram quase quatro horas da manhã e os três estavam extremamente drogados. Vinícius, mais alto, logo chamou a atenção da garota, que demorou um pouco mais para notar o seu companheiro. Dias depois, quando se reconheceram em uma outra festa, nenhum deles foi capaz de reconstruir a conversa que os aproximou, ou que os manteve juntos por boa parte do resto de noite. A primeira lembrança comum que localizaram – se não verdadeira, um delírio coletivo – foi a de Renan e Vinícius bebendo vodka pura e explicando para Mariana uma teoria maluca – embora verossímil – sobre a semiótica do sexo na balada. Vinícius desenvolvera a teoria com Fábio, um colega seu de faculdade. Mariana, de calça jeans (justa) e regata branca (justíssima) dançava incansável entre Vinícius e Renan, concordando com os postulados, os três alheios à balada medíocre em que estavam. Outra lembrança partilhada pelo trio foi a de serem expulsos de um banheiro onde pretendiam cheirar cocaína junto de um aleatório qualquer. De volta à pista, contentaram-se com garrafas verdes de Heineken e baforadas de clorofórmio puro, que multiplicava inúmeras vezes as luzes e as batidas da música da pista de dança em uma sobreposição insana de sentidos e que queimava a pele quando a mira não acertava apenas a manga da camiseta.

fevereiro 12, 2008

Se Mariana alguma vez amou outra garota, se pensou em realmente virar lésbica, foi no tempo de colégio, quando namorou Helena. Todas as outras meninas com quem saiu foram meras brincadeiras. Ainda mais para U, pouco ou quase nada dada a romances.
A música que dançava no momento exato em que encontrou Helena, U não sabe. Naquela hora, sabia poucas coisas além de que estava dançando alguma música da qual não se lembra. Não sabia como chegara à pista, com quem, onde estivera, o que usara. Mas é claro que tudo isso pôde saber hoje, reconstituindo a noite a partir de relatos tão entorpecidos quanto suas próprias lembranças. A música exata daquele reencontro é que nunca recuperou. Ficou um gosto de incompleto.

fevereiro 11, 2008

U às vezes gostava de ser Mariana. Mariana, quase sempre de ser vadia. Mas nem sempre que U agia como vadia estava sendo Mariana. U, às vezes, era só U, e desprezava todo o resto.

fevereiro 02, 2008

U morava sozinha em um apartamento de dois quartos sala e cozinha. A fender preta em seu quarto era só uma peça decorativa que acumulava poeira. A mesa de vidro na sala, não. U gostava de cheirar cocaína. Cheirava como se não houvesse amanhã. Transava como se não houvesse amanhã. E quando estava na pista, dançava até o último segundo possível, aproveitando os limites, exatamente como fazia com todo o resto.

Quando acordou naquele dia, com a cabeça doendo, o corpo pesado, a garganta seca, U não se lembrava exatamente como chegara em casa. Na geladeira não havia água gelada mas uma última carreira de pó ainda se exibia sobre a mesa de vidro. U, no fundo, não gostava de cheirar pó. Era muito óbvio. Mesmo assim, cheirou mais uma vez, só pelo esporte.