outubro 24, 2006

dois poemas

Blues Total (Lavínia Rotrèvre)

ilusões mulatas no meu corpo branco
samba
bossa
meu gingado no teu gingado.

na quarta-feira, totally blues.
[nem tenho mais melanina]

fiquei meio deprimida
quando tudo se acabou
em sujeira
maquiagem borrada
cheiro de suor
[teu suor?]
e um comprimido de engov.

nem tenho mais porque atravessar a avenida.
blues total.

* * *

magistral (Renan Fagundes)

duas estocadas
e já não sabemos
quem é quem

outubro 23, 2006

não tem mar (Lavínia Rotrève e Renan Fagundes)

sem que ninguém perguntasse
e com se não tivesse (me dito para fugir)
andei por toda a cidade
e que olhava o mar eu fingi

sem que ninguém me falasse
ou que alguém me quisesse (para se divertir)
larguei de tanta bondade
e que pretendia amar eu menti

sem que ninguém perguntasse
e com se não tivesse (me dito para fugir)
andei por toda a cidade
e que olhava o mar eu fingi

não tem mar
não tem niguém aqui

outubro 18, 2006

leve e distraída
eu andava pelo calçadão
na direção contrária
de todas as outras
pessoas [que corriam]

o mundo,
essa província.


Lavínia Rotrèvre

diz,tra[i]ções

peço emprestado o zippo prateado
e acendo meu cigarro
distraída
esquecendo-me que já não fumo

deixei o vício logo que você me deixou
e agora com ciúmes desse cigarro
que você traga distraído
traio-me com sua distração


depois acabo acendendo mais vários malboros lights
com o bic branco que alguém me vendeu
e observo você cada vez mais e mais longe


preciso voltar e olhar de novo aqueles dois cinzeiros
vazios



Lavínia Rotrèvre

outubro 17, 2006

as      ba
tidas
como in
        su
por
    tá veis can
ções          
    tal
vez
    ouou
         tra
       se
    ou      via
umapor
vez   e de t a   be
laamel
       o      dia
   dos    ritm
osa fri
           canos
e meus    ba
            rulh os
nadar    mô
      nicos

Épicos Explícitos - I

Nunca fora um segredo.
Norberto sabia exatamente
o que a deixava excitada:
o chocolate, as flores
o beijo na nuca
os dedos bem colocados
e uma leve agressividade.
Só esqueceu dos cigarros
de cravo
e da camisinha cor-de-rosa.

Nunca fora segredo a exatidão
complexa
dessas extravagâncias.
Nunca fora. Nunca.
Isso até Norberto descobrir
que tudo não passava
de uma desculpa e acabar
forçando a transa
numa pacata manhã de domingo.

Fora de si, ela gritou
alucinadamente pelos cigarros.
Ele, ébrio e assexuado pelo gozo
sufocou-a com o travesseiro
até que calasse a boca.
Em segredo gozaram, ambos, baixinho.

outubro 16, 2006

Quinto Poema

Lavínia escreveu, muda:

Queria ser sofisticada como Ana C.

água & champanhe

à porta de casa
ele a olha
falsa
uma última vez

o rosto maquiado
demais
o vestido
pomposo demais

na banheira
nua
chora sombra dourada
antes de ser
verdade

outubro 14, 2006

poética

nada me demove

a taça de cabernet
escorre por entre as coxas
da dama desastrada

êita.

outubro 10, 2006

não sabia se ela ia para casa
ou o que se passava em casa
ou o que de fato era a casa

ela se passava: era de fato rasa

Quarto Poema

E Lavínia escreveu de uma só vez:

nada satisfaz
os toques de névoa
(ou estar perdida
e sem sono)

nada: liquefaz
meu desejo
em braçadas nuas
e sádicas

tudo
se
des
faz

outubro 04, 2006

o que se dizia era
mais ou menos sobre bares
e sobre bebedeiras
(sobre deitar para dormir
na calçada com a cabeça
encostada no meio-fio)

o que se dizia era
sem dúvida
poesia
de alguma estirpe menor
(suja, pobre)
mas sem dúvida
poesia

outubro 03, 2006

quem não dança
no ritmo
dança a dança
de quem não dança
no ritmo dessa dança
e desbanca
quem banca o bailarino
de gafieira
e acaba caindo
pois andar tropeçando
num céu sem estrelas
é coisa de quem
não balança direito
ou não sabe desviar
dos astros
safados
que querem
o teu par
e brilham no ritmo
que contraria
a lambança
e eu tinha pedido
a tua mão
para que me desse o prazer
dessa contradança
mas você não cansa
de brilhar
e tenho medo de tropeçar
cair
e te envergonhar
no meio do salão
medo de não saber bailar
para guiar teus giros
na dança desordenada
das palavras
e te dizer que danças
não há como negar
mas eu
eu danço
no ritmo
de quem não dança
e continuo a andança
de quem só quer
bailar

outubro 02, 2006

samba da manhã

dormes ainda esta manhã
e eu quero apenas
te dizer bom dia
depois ouvir
o que cantam os bentevis
nessa alvorada sem fim

abrimos os olhos esta manhã
um acordar
tão sereno e prolongado
e eu quero nunca mais
partir daqui
e de manhã pra ti sorrir

é bela, como é bela, a manhã
com os passarinhos
nos cantando uns sambinhas

é bela, como é bela, a manhã
com os passarinhos
nos cantando umas modinhas

é bela, como é bela, a manhã
com os passarinhos



(primeira parceria letra/música de renanfagundes/rafaelbecker)

sobre cigarros e café II

Por muito, muito tempo
encaro o copo plástico
que se deita na mesa
a minha frente; o café negro
escorrendo pelos cantos
da mesinha redonda.

Por muito, muito tempo
trago, fundo
e a fumaça se esvai no vento
que leva o copo vazio.

O garçom se aproxima
com um pano.
Eu apago o cigarro
lentamente
e compro um outro expresso.