Pássaro-Ângulo
I
Nasceste pássaro
no passado
e onde quer que voes
agora
continuas a ser pássaro.
Não tem medida
a tua profunidade
de ser pássaro.
E se caminhas pela grama
à cadência das nuvens,
canta baixinho
algumas melodias
de pássaro
para provar do esquecimento
do teu ninho.
II
Quando dos estilingues
não o acertaram uma pedrada
sequer, o pássaro passou
a desfilar em tudo
quando é canto ainda
mais garboroso de ser pássaro.
E por um momento absurdo
a pontaria torta da criança
que soltou a forquilha
e ficou segurando a pedra
pareceu genial.
Depois sangrou a boca.
III
Se não tinha
a lisergia
prolixa das borboletas
que habitam
paredes é porque
o pássaro sempre
foi reto.
O pássaro é reto
torto é o ângulo.
E se não tinha
cores brilhantes
cantos assonantes
ou rimas ricas
é porque ainda
não era um composto.
IV
Ficou leve o vôo
do pássaro-ângulo
sutilmente nos mostrando
o quão tortos
somos na hora de voar.
E como somos pobres
na hora de escrever.
Somos meros paçarinhos
e não éguas
ou borboletas.
Mas o pássaro-ângulo
ele sim
agudo e obtuso
leva as palavras
às nuvens rosas
de orgasmos cintilantes.
O verbo geme.
V
Um mergulho
nu
no nada.
O pássaro
vândalo
diz:
- É tarde.
E foge.
Eu digo: arde.
Te fode.
E mergulho
nu
no tudo.
VI
Ao meu redor
o pássaro canta
cheio de arestas
e some a cada
segundo que eu
procuro prestar
mais atenção.
O pássaro alça
a queda
em qualquer direção
circular
da manhã.
Levanto vôo.
Torto.
VII
E eu falaria de árvores
não houvesse os postes
e os joão de barros
e os fios de luz
e as andorinhas
e as praças
e as velinhas com pipoca
para as pombas.
Eu falaria em pássaros
não houvesse os ângulos.
Falaria em penas
não houvesse os cantos.
Eu atiraria pedras
não houvesse a certeza
de que erraria
o pássaro pela
inclinação do ângulo
de abertura do estilingue.
(Ou por querer errar mesmo.)
Atiraria pedras
não houvesse o medo
de esquecer de soltá-las
mais uma vez.
E o pássaro sorriria.
(Que de alguma maneira
eles devem sorrir.)
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