agosto 05, 2006

Pássaro-Ângulo

I

Nasceste pássaro
no passado
e onde quer que voes
agora
continuas a ser pássaro.

Não tem medida
a tua profunidade
de ser pássaro.

E se caminhas pela grama
à cadência das nuvens,
canta baixinho
algumas melodias
de pássaro

para provar do esquecimento
do teu ninho.

II

Quando dos estilingues
não o acertaram uma pedrada
sequer, o pássaro passou
a desfilar em tudo
quando é canto ainda
mais garboroso de ser pássaro.

E por um momento absurdo
a pontaria torta da criança
que soltou a forquilha
e ficou segurando a pedra
pareceu genial.

Depois sangrou a boca.

III

Se não tinha
a lisergia
prolixa das borboletas
que habitam
paredes é porque
o pássaro sempre
foi reto.

O pássaro é reto
torto é o ângulo.

E se não tinha
cores brilhantes
cantos assonantes
ou rimas ricas
é porque ainda
não era um composto.

IV

Ficou leve o vôo
do pássaro-ângulo
sutilmente nos mostrando
o quão tortos
somos na hora de voar.
E como somos pobres
na hora de escrever.

Somos meros paçarinhos
e não éguas
ou borboletas.

Mas o pássaro-ângulo
ele sim
agudo e obtuso
leva as palavras
às nuvens rosas
de orgasmos cintilantes.
O verbo geme.

V

Um mergulho
nu
no nada.

O pássaro
vândalo
diz:

- É tarde.

E foge.

Eu digo: arde.
Te fode.

E mergulho
nu
no tudo.

VI

Ao meu redor
o pássaro canta
cheio de arestas
e some a cada
segundo que eu
procuro prestar
mais atenção.

O pássaro alça
a queda
em qualquer direção
circular
da manhã.

Levanto vôo.
Torto.

VII

E eu falaria de árvores
não houvesse os postes
e os joão de barros
e os fios de luz
e as andorinhas
e as praças
e as velinhas com pipoca
para as pombas.

Eu falaria em pássaros
não houvesse os ângulos.
Falaria em penas
não houvesse os cantos.

Eu atiraria pedras
não houvesse a certeza
de que erraria
o pássaro pela
inclinação do ângulo
de abertura do estilingue.
(Ou por querer errar mesmo.)

Atiraria pedras
não houvesse o medo
de esquecer de soltá-las
mais uma vez.

E o pássaro sorriria.
(Que de alguma maneira
eles devem sorrir.)

Nenhum comentário: