maio 31, 2006

prato principal (porque adoramos saborear palavras e os hai kais foram aperitivos)

fragmenta-se no forno microondas
a lógica absurda (metálica)
das minhas proposições devastadas:
vórtice
vertigem
vestigens dos meus discursos,
da minha poética devassa

especiarias, temperos a mim dados:
lanço, de bom grado; salpico
- manjericão, alecrim, páprica -
o lance do absurdo:
desuso (cominho, salsa)
o prato principal,
des
umanamente
frag
mentário:
minha coerência sem logismos,
sem fermento, sem receita
ou outros truques culinários

ao céu!, dizem as estrelas
inversamente cadentes
subindo pelas paredes
da cozinha industrial do verbo:
ao céu!
e eu dou três pulinhos
pensando em algo que perdi

(me desculpe as supertições
repartições
tições em brasa
mergulhando no meu café,
me desculpe a fumaça colorida,
meio assim demodê,
com cheiro de tutti-frutti e abacaxi,
me desculpe as lantejoulas,
as flores de plástico
e o letreiro de papelão & guache
ao invés de neón

me desculpe, queimou um pouco no fundo.)

maio 30, 2006

bashô já dizia, e paulo concordava... (4 hai kais)

I

cai, por sobre a última
das flores reinventadas,
um floco de neve

II

o espelho se par
te: espalhados pelo chão,
pedaços de mim

III

rasgam a noite
os ventos alcoólicos
da juventude

IV

várias chamas
me consomem o corpo
quando me chamas

maio 22, 2006

Escrever é tristeza lúbrica,
é chorar palavras por sobre
o ventre da poesia,
beijá-lo, acariciá-lo,
como quem vai
como quem deseja

Escrever é derramar
um pranto pela imperfeição
eterna de todos os nossos
vôos, a desarticulação
intensa de todos os nossos
prazeres,
intensos prazeres
desarticulados

Escrevo, pois tenho
a certeza de que nunca
a terei com certeza
(embora possua,
de todas as maneiras,
o gozos do verbo
e foda com as palavras)
Nunca a terei, poesia,
completamente nua

Escrevo, pois estou nu,
e assim, lívido e exaurido,
apenas deliro sobre
as variações sinfônicas
dos meus problemas
estéticos:

Me exaspera não poder
criar se não orgasmos
fingidos a toda poética
que insisto em plagiar

Me arrefece o preço
baixo que pago pelos meus
pecados, pelas minhas
palágrimas indecentes

Corrói-me o desejo
Corrói-me a transa
Corrói-me o gozo com a poesia

(não obstante, continuo sempre
implorando pelos seus carinhos
lascivos e obscenos carinhos)

Corrói-me, meu caro, o verbo "foder".

maio 01, 2006

Eis que os dias se apresentam
longos & enfadonhos; o sol,
fustigando-me pelos caminhos,
aquece, pesa - esquece-se-lhes;
o vento sopra fútil nos campos:
por ora, não ecoam; aquiescem
com meus assobios distraídos.

Faço então como se fosse nos
fins de tarde que se mostram
cansados: permito-me à falsa
liberdade das faces ao vento.
E então se acabam as tonalidades
(laranjadas, rubras, violetas);
violentas incisões sobre pigmentos.

Nas noites vive-se o imediatismo
dos momentos; o instantâneo dos
olhares indiretos - os olhares
de desejo profundo, mistificados.
As cores, as míriades; os ventos
alcoólicos das madrugadas frias
e incoseqüentemente lúbricas.

Eis que as manhãs se apresentam
belas e alcoólicas - di-lo coisas,
em delírios de outrora; eis que nas
manhãs ainda ressoam nos ouvidos
o zumbido dos três acordes da noite,
e de seus momentos - de seus desejos:
eu desejo; eu acordo antes de dormir.